quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Manoel Mattos

Weliton Carvalho

Conheci Manoel Mattos nos bancos da Católica, quando cursávamos direito. De logo percebi que ali estava alguém inquieto com as injustiças. Era um jovem de ação. Para ele o direito seria para sempre instrumento de realização da justiça. Tínhamos perfis diferentes: eu mais introspectivo, voltado para o direito enquanto ciência, ele, muito expansivo, participante da política acadêmica, estava sempre questionando as mazelas do mundo. Manoel nunca se acostumaria com as limitações da burocracia. Nunca lhe interessou o glamour do poder. Era um homem moldado para a ação, para resultados. Trazia consigo a pureza do espírito de Dom Quixote. Sair pelo mundo em busca de aventuras que tivesse por objetivo realizar a justiça e que viessem os moinhos de vento (...) E a preocupação de Manoel era fazer com que a justiça saísse da lei e fosse socorrer o mais anônimo dos homens. Ele nunca esqueceu suas origens, sua gente, os desamparados: a vida dos mais humildes fremia nos seus sonhos. O direito para ele teria que ganhar vida, tornar-se realidade no dia a dia das pessoas. Foi nisso que pautou sua existência e por esse motivo deixou-me imolar pela mais vil covardia de seus assassinos.

O homem não foge ao seu destino. Manoel Mattos chegou a advogar no âmbito sindical com resultados animadores. Mas seu destino, o dínamo de sua vida, era jogar-se na luta política (com ou sem mandato popular). Acreditava que a política estaria acima da investidura em cargo público. Entendia que cada homem é responsável por toda sociedade. Abraçou-se aos direitos humanos como a bandeira mais significativa. E de fato o é. Qual a mais importante missão de um ser humano do que lutar pela dignidade de todos? Só os abnegados são capazes de tal atitude. Esses homens colocam em segundo plano sua vida particular para se doar ao corpo social. Ele olha para sua rua, para seu bairro, para a cidade, para o país e todo homem é seu irmão, independente de raça, de credo, de sexo, de nacionalidade, de qualquer coisa.

Sempre senti em Manoel Mattos, desde a faculdade, a busca pela coerência. Estabelecer uma sintonia entre o discurso e a prática política. Talvez seja essa uma das grandes dificuldades dos homens de Estado: a ética. Apesar de não nos frequentarmos amiúde, sempre acompanhei os movimentos de Manoel. E sempre temi por sua vida. Por notícias de amigos comuns me chegavam avisos de ameaça de morte a ele. Mas ao que parece, Manoel não se intimidaria. E penso que nenhum amigo teria coragem de pedir que ele abandonasse a luta. Se tal ocorresse, Manoel não só deixaria de atender o pedido como ficaria triste, pois o amigo não teria entendido o sentido de sua vida.

Ficávamos torcendo para que as ameaças nunca fossem concretizadas.

Infelizmente não foi o que ocorreu. E ocorreu de um modo covarde, como só os desalmados são capazes de urdir um crime tão terrível. Pelo o que Manoel Mattos nos deixou, algo precioso em nós foi atingido. Em assim, Manoel não morreu sozinho. Todos nós morremos um pouco (ou muito) com ele. É o mínimo que se pode fazer é apurar e punir os responsáveis por este ato repugnante que envergonha o direito e a justiça, bandeiras da vida de Manoel Mattos.

Pelo meu modo introspectivo de ser (ao menos à época da faculdade), Manoel fez um comentário a um amigo comum que me repassou: – Weliton, você sabia que Manoel gosta muito de você? Mas diz que às vezes você fica muito ensimesmado. Não me aborreci com o comentário que era verdadeiro. Eu só não sabia que um dia ficaria ensimesmado por tua causa, Manoel.

Weliton Carvalho é magistrado e doutor em direito.

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