sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Cotas: onde está o debate?

Marcello Borba

Lembro até hoje do dia que entrei num colégio público pela primeira vez. Foi desolador, eu acostumado com o mundo da Barbie (não por ser alvirrubro), mas por acreditar que todos os colégios eram, ou deviam ser, iguais aos meus e que todas as pessoas tinham vidas iguais as minhas.

Foi um choque de estrutura, parecia um buraco, tudo pixado (anêmico tava lá!), tudo muito sujo. Pessoas fora de sala no horário de aula, estavam sem professor de geografia.

Enfim, tudo que para mim era uma imagem da TV, imagem fora de meu mundo, estava ali na minha frente.

Um detalhe me chamou mais atenção ainda, nesta época estava lendo Casa Grande & Senzala (viva a democracia racial?), foi o fato de a maioria dos alunos serem, morenos e negros. Na minha sala só tinha um “negão”, existiam alguns morenos como eu, mas a grande maioria, principalmente das mulheres era irretocavelmente anêmica, com cara de Barbie e cabelo lisinho que nem quiabo, e de repente estava eu lá, sendo minoria num país (multiétnico?).

Então nós temos dois grandes problemas: o primeiro a estrutura, o segundo a cor.

A estrutura se refere ao Colégio Alfredo Freire (Água fria), vejamos, não tinham aula de Geografia, nem de Biologia (às vezes meu tio dava aula de biologia lá, mas muitas vezes não dava tempo, tinha que ensinar Física, Química e Matemática, ele só é formado em Física e Matemática) e Português só sabiam falar, a professora de Português não dava aula. Passar de ano não era problema. O problema era aprender alguma coisa. Se com aula, nós, de colégio particular, sentimos algum problema, em determinadas matérias, imagine quem não pode nem se quer sentir o cheiro? Ah mas o Liceu e o Ginásio Pernambucano tem aula sim e aprovam muito. O GP e o Liceu são únicos, o resto é resto, literalmente.

O problema da cor resulta do fato de, no caso deste colégio, quem freqüenta é o pessoal de Água Fria, Chão de Estrelas, Beberibe, e alguns altos da vida (Pascoal, Bonifácio), enfim a periferia do Recife. E esta periferia é forma por: momento de suspense. Pronto agora vai:.basicamente negros.

Solução encontrada pelo governo: julgar o continente pelo conteúdo negligenciando os dois.

Perai, os playboy freqüentam a universidade pública, a universidade pública é para todos e está havendo um injustiça social, já sei: 50% de cotas para quem é da rede pública. Solucionamos o problema, vamos tirar uma foto.

Vejam só, o colégio degradado e acabado, Professores mal pagos e sem estimulo, e estudantes que estavam no terceiro ano a grande maioria não ia prestar vestibular (nem pra Nassau). E o governo vem dizer que a solução do problema são as cotas?

O buraco é mais embaixo...

Jogar essa galera na universidade sem fazer uma reforma educacional no ensino de base, que anda acabado (melhor, nem anda) é simplesmente negligenciar os reais problemas da educação pública e jogar uma solução que lhe convém na alegação de igualdade promovendo a verdadeira injustiça social. Por que não melhorar o ensino de base? Por que não? Por que não?

Tem de haver a entrada de todos na universidade pública sim! Independente de classe, gênero ou cor, mas na situação que encontramos o ensino público, abrir as portas da universidade sem dar o mínimo apoio educacional a quem entra é querer transformar o ensino em números aparentes, sem se preocupar como estes alunos vão concluir o curso. Tudo bem, temos números que onde as universidades adotaram as cotas os alunos estão indo bem. Tudo bem. Mas o grande problema não é este. Não é simplesmente garantir acesso ao ensino, ou fazer que todos se formem e sejam bacharéis. O problema educacional reflete no nível de vida e de emprego... Formar pessoas não garante melhoria por si só.

Tenho uma visão cética quanto ao futuro por toda esta conjuntura apresentada: o ensino de base totalmente acabado e o ensino superior que já ta mal das pernas, sem nenhuma perspectiva de melhora e servindo de base para um suposto plano de igualdade, mas que é nada mais nada menos, que uma solução ínfima para todo o cenário que possuímos.

Marcello Borba é estudante da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e membro do Movimento Faculdade Interativa.

3 comentários:

Anônimo disse...

É preciso melhorar o ensino público fundamental e médio para que algum dia possamos alcançar o "oasis educacional" dos sociais-democratas (não aqueles vigaristas do PSDB, mas os originais), qual seja: quando um estudante do Colégio Estadual Alfredo Freire disputar com um estudante do São Luís, em condições de igualdade, uma vaga na UFPE, ou melhor, quando não houver necessidades de disputa pois a vaga estará assegurada para ambos.

Contudo, o que fazer com aqueles que estão concluindo o ensino público fundamental e médio nesse momento e por uma questão natural (mas injusta) ficaram de fora desse "esforço pela educação"?

Vamos deixá-los caminhar sem perspectiva para algum balcão da McDonalds ou do Bobs? Eles servem apenas para fritarem nossas batatas-fritas, mas não para ocuparem "nossas vagas" nas universidades federais?

Acredito que não! As cotas são justas e necessárias!

Caberá ao movimento estudantil pressionar pela implemantação da estrutura mínima e adequada que permita a melhoria da qualidade de ensino e da assistência estudantil, pois, com a aprovação das cotas sociais, ter uma biblioteca atualizada, um restaurante universitário que funcione ou uma casa do estudante com vagas disponiveis será essencial para que a universidade pública cumpra seu papel histórico e social.

Anônimo disse...

concorod contigo ari, em todos os itens.
so reitero qeu as cotas nao podem vir como assitencialistas, que venham, sejam implementadas e que fique num tempo determinado juntocom politicas governamentias que visem a simetria de igualdade dos estudantes, ricos, pobres, negros e brancos

Anônimo disse...

UNIVERSIDADES FEDERAIS RECLAMAM DO PROJETO QUE PREVÊ COTAS

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) se posicionou contra o projeto de lei que estabelece que 50% das vagas nas 58 universidades federais devem ser destinadas a alunos que cursaram os três anos do ensino médio em escola pública. O presidente da entidade, Amaro Lins, declarou em entrevista à Agência Brasil que a medida fere a autonomia das universidades.

"Esse projeto, no final, pode trazer um resultado oposto ao que se pretendia porque quando você deixa 50% de todas as vagas para alunos da rede pública sem considerar as questões locais e as condições da própria universidade e do seu entorno, você pode promover maior ociosidade dentro das universidades" , explicou.

A proposta, de autoria da deputada Nice Lobão (DEM-MA), foi aprovado na quinta-feira (20/11) pela Câmara dos Deputados. Agora, precisa passar pelo crivo do Senado. O projeto de lei recebeu emenda que destina metade dessas vagas (25% do total) para estudantes pertencentes a famílias com renda até R$ 622,50 (um salário mínimo e meio). Os outros 25% serão para negros, pardos e indígenas.

Desses 25%, o número de vagas para cada etnia será divido conforme a sua representação no estado em que está localizada a instituição, ou seja, se a porcentagem de indígena for a maior, esse grupo terá o numero de vagas maior. Os dados serão baseados no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

O presidente da Andifes, Amaro Lins, afirmou que é favorável a medidas que possibilitem o acesso ao ensino superior, mas que é preciso conhecer as condições de cada instituição de ensino e não apenas garantir um número fixo de vagas por meio de uma lei.

Segundo Lins, as 58 universidades públicas do país que já praticam algum tipo de ação afirmativa ou de cotas para o ensino superior discutiram o tema com a comunidade local e com os governos estaduais envolvidos. Algumas oferecem cursos para que alunos da rede pública de ensino se preparem para o vestibular, outras mantêm algum tipo de cota ou mesmo estímulos e incentivos na própria nota do vestibular também para alunos da rede pública.

Amaro Lins afirma que alguns cursos — sobretudo os que envolvem uma base científica como Física e Química — apresentam grande evasão de alunos não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Os índices, segundo ele, podem chegar a 50%. "Se você simplesmente põe 50% de alunos da rede pública que, infelizmente, vêm de escolas que não têm a qualidade necessária, eles não vão ter sucesso nos cursos, vão se evadir muito provavelmente já no primeiro período. É cruel tomar uma decisão dessa."

O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior faz um apelo para que o Congresso Nacional converse com as universidades antes de se posicionar definitivamente sobre o assunto.

Fonte: revista Consultor Jurídico em 21/11/2008.