terça-feira, 19 de maio de 2009
sábado, 28 de março de 2009
segunda-feira, 16 de março de 2009
O Jornal do Commercio e a defesa do latifúndio
Rodolfo Cabral
O Jornal do Commercio publicou, neste domingo (08/03/2009), mais um editorial contendo ataques ao MST: “Governo tem de enquadrar MST na lei”. O posicionamento dá-se num momento bastante propício encontrado pela mídia para a criminalização do movimento, com a morte de quatro seguranças particulares num conflito fundiário em São Joaquim do Monte, agreste pernambucano, no dia 21/02.
A partir do ocorrido, os veículos conservadores aproveitaram para levantar todos os ataques possíveis ao MST, passando pela defesa irrestrita da propriedade privada, pela crítica aos repasses de verbas públicas para entidades de apoio aos assentamentos, concluindo de forma simplista pela ilegalidade do movimento.
Dois pesos, duas medidas.
O jornal segue a linha política da grande mídia, de proteger o agronegócio e combater os movimentos sociais de luta pela terra. A propaganda ideológica coloca o agronegócio como o modelo moderno de desenvolvimento do campo e de geração de divisas para o país. O MST, por seu turno, ao combater este sistema, seria o portador do atraso, o conservador. Neste sentido, coloca o editorial que o movimento “Definiu por conta própria que o grande agronegócio, a pesquisa de grãos geneticamente modificados, a agricultura e a pecuária voltadas para a exportação e, por conseguinte, para a criação de divisas constituem um mal para o País.” O jornal silencia sobre a concentração fundiária e a exclusão social aprofundadas por tal modelo, que pressupõe grandes propriedades e mecanização do processo produtivo. Silencia sobre os danos ambientais causados com a expansão agropecuária em reservas naturais e pela monocultura.
Não trata da problemática dos transgênicos, proibidos nos EUA e União Européia, mas utilizados em larga escala pelo “moderno” agrobusiness no Brasil. Não foi o MST que decidiu, pois, por contra própria pela problemática deste sistema, mas diversos estudos técnicos de entidades ambientalistas, além da própria realidade excludente do campo a denunciar diariamente as contradições desse sistema.
Outro reflexo dessa diferença de tratamento é notada pela cobertura da morte dos capangas em São Joaquim do Monte. Os conflitos fundiários fazem parte do contexto agrário brasileiro. Nunca se realizou uma reforma agrária no país. Os poucos avanços até hoje foram conquistados com as ocupações de terras, de forma que não resta outra opção aos movimentos sociais que não a da ação direta, da reivindicação constante por reforma agrária. Cotidianamente morrem trabalhadores rurais nesses conflitos, e a cobertura midiática é sempre tímida. Afinal, os latifundiários estão “protegendo” a sua propriedade, sendo, pois, legítimos quaisquer meios utilizados. Até mesmo em casos de massacres, como Eldorado dos Carajás, em 1997, no qual morreram 19 sem-terras, a mídia não se mobiliza para cobrar o fim da impunidade e a prisão dos envolvidos, e até hoje o massacre segue impune.
Dados da Comissão Pastoral da Terra colocam que, de 1985 a 2006, registraram- se 1.104 ocorrências de conflitos com assassinato. Nestes conflitos morreram 1.464 trabalhadores. Destas ocorrências somente 85 foram levadas a julgamento. Foram condenados 71 executores e somente 19 mandantes. Não se vê a indignação da mídia e de outros setores a esse quadro. No entanto, quando a morte é dos representantes dos proprietários, os veículos de todo o país se manifestam, o presidente do STF, Gilmar Mendes, se pronuncia, os suspeitos são logo detidos.
Qual propriedade?
Em outra passagem do editorial, o JC publicou que “O importante é proteger o direito à vida e à propriedade, coibir as ilegalidades e colocar o MST e movimentos similares no seu devido lugar.” A Constituição Federal protege, é verdade, a propriedade privada. Mas o que o jornal omite é que tal proteção pressupõe o cumprimento da função social da propriedade. A Carta Magna consagrou o instituto, incluindo-o no rol dos direitos e garantias fundamentais, e estipulando critérios claros para o seu atendimento. A art. 186 estipulou os critérios econômico, social e ambiental para o seu cumprimento. (I – aproveitamento racional e adequado; II – aproveitamento adequado dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores) Não basta à propriedade ser produtiva. Para ser protegida pelo ordenamento jurídico ela deve ser explorada de acordo com os parâmetros da função social.
Ao se omitir sobre a função social, o JC defende a propriedade absoluta liberal, que não demanda nenhuma conduta positiva do seu titular, modelo ultrapassado no mundo inteiro, ainda mais num país de propriedade concentrada e exclusão social como o nosso. Tal modelo é, inclusive, ilegal. O proprietário que não dá à sua terra uma destinação que atenda à função descumpre à lei, perde a legitimidade de seu domínio.
O MST e a legitimidade da luta pela reforma agrária
Por fim, o jornal ataca a legitimidade do MST para lutar pela reforma agrária, afirmando que as estratégia de luta estão “conduzindo um movimento de início popular e apoiado pela sociedade para o caminho da presunção, da autosuficiência e da ilegalidade.” Tal afirmação faz parte de um retórica que vem sendo muito utilizada, de colocar o veículo como sensível à reforma agrária, aos movimentos sociais, mas contrário às formas de atuação desses movimentos, que “deturpariam” a luta pela terra. Nada mais falacioso. O MST nunca teve a simpatia e o apoio dos grandes veículos de mídia, representantes da classe dominante, da propriedade. O jornal se utiliza ainda da afirmação de que “até marginais e presos foragidos” fazem parte do movimento, sem apresentar, no entanto, nenhuma prova de tal ocorrência.
Diante da inércia dos poderes públicos na realização de uma verdadeira reforma agrária, com a desapropriação das propriedades que não cumprem a sua função social, limitação do tamanho das propriedades, garantia de estrutura para os assentamentos, valorização da cooperação agrícola; enfim, com a construção de um modelo agrícola que garanta desenvolvimento social para todos, e não para uns poucos privilegiados, uma modernidade includente, não será possível a “indispensável tranquilidade e segurança necessárias aos trabalhos no campo” pregada pelo jornal. O Governo tem, na realidade, é que enquadrar os proprietários na lei, e desapropriar as propriedades que não cumprem a sua função social, destinando-as à reforma agrária. O MST se coloca como uma importante força de transformação dessa realidade, e, em decorrência disso, enfrenta a oposição dos diversos setores conservadores, dentre eles o Jornal do Commercio.
Rodolfo Cabral é ex-membro deo Movimento Faculdade Interativa e mestre em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPE.
O Jornal do Commercio publicou, neste domingo (08/03/2009), mais um editorial contendo ataques ao MST: “Governo tem de enquadrar MST na lei”. O posicionamento dá-se num momento bastante propício encontrado pela mídia para a criminalização do movimento, com a morte de quatro seguranças particulares num conflito fundiário em São Joaquim do Monte, agreste pernambucano, no dia 21/02.
A partir do ocorrido, os veículos conservadores aproveitaram para levantar todos os ataques possíveis ao MST, passando pela defesa irrestrita da propriedade privada, pela crítica aos repasses de verbas públicas para entidades de apoio aos assentamentos, concluindo de forma simplista pela ilegalidade do movimento.
Dois pesos, duas medidas.
O jornal segue a linha política da grande mídia, de proteger o agronegócio e combater os movimentos sociais de luta pela terra. A propaganda ideológica coloca o agronegócio como o modelo moderno de desenvolvimento do campo e de geração de divisas para o país. O MST, por seu turno, ao combater este sistema, seria o portador do atraso, o conservador. Neste sentido, coloca o editorial que o movimento “Definiu por conta própria que o grande agronegócio, a pesquisa de grãos geneticamente modificados, a agricultura e a pecuária voltadas para a exportação e, por conseguinte, para a criação de divisas constituem um mal para o País.” O jornal silencia sobre a concentração fundiária e a exclusão social aprofundadas por tal modelo, que pressupõe grandes propriedades e mecanização do processo produtivo. Silencia sobre os danos ambientais causados com a expansão agropecuária em reservas naturais e pela monocultura.
Não trata da problemática dos transgênicos, proibidos nos EUA e União Européia, mas utilizados em larga escala pelo “moderno” agrobusiness no Brasil. Não foi o MST que decidiu, pois, por contra própria pela problemática deste sistema, mas diversos estudos técnicos de entidades ambientalistas, além da própria realidade excludente do campo a denunciar diariamente as contradições desse sistema.
Outro reflexo dessa diferença de tratamento é notada pela cobertura da morte dos capangas em São Joaquim do Monte. Os conflitos fundiários fazem parte do contexto agrário brasileiro. Nunca se realizou uma reforma agrária no país. Os poucos avanços até hoje foram conquistados com as ocupações de terras, de forma que não resta outra opção aos movimentos sociais que não a da ação direta, da reivindicação constante por reforma agrária. Cotidianamente morrem trabalhadores rurais nesses conflitos, e a cobertura midiática é sempre tímida. Afinal, os latifundiários estão “protegendo” a sua propriedade, sendo, pois, legítimos quaisquer meios utilizados. Até mesmo em casos de massacres, como Eldorado dos Carajás, em 1997, no qual morreram 19 sem-terras, a mídia não se mobiliza para cobrar o fim da impunidade e a prisão dos envolvidos, e até hoje o massacre segue impune.
Dados da Comissão Pastoral da Terra colocam que, de 1985 a 2006, registraram- se 1.104 ocorrências de conflitos com assassinato. Nestes conflitos morreram 1.464 trabalhadores. Destas ocorrências somente 85 foram levadas a julgamento. Foram condenados 71 executores e somente 19 mandantes. Não se vê a indignação da mídia e de outros setores a esse quadro. No entanto, quando a morte é dos representantes dos proprietários, os veículos de todo o país se manifestam, o presidente do STF, Gilmar Mendes, se pronuncia, os suspeitos são logo detidos.
Qual propriedade?
Em outra passagem do editorial, o JC publicou que “O importante é proteger o direito à vida e à propriedade, coibir as ilegalidades e colocar o MST e movimentos similares no seu devido lugar.” A Constituição Federal protege, é verdade, a propriedade privada. Mas o que o jornal omite é que tal proteção pressupõe o cumprimento da função social da propriedade. A Carta Magna consagrou o instituto, incluindo-o no rol dos direitos e garantias fundamentais, e estipulando critérios claros para o seu atendimento. A art. 186 estipulou os critérios econômico, social e ambiental para o seu cumprimento. (I – aproveitamento racional e adequado; II – aproveitamento adequado dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores) Não basta à propriedade ser produtiva. Para ser protegida pelo ordenamento jurídico ela deve ser explorada de acordo com os parâmetros da função social.
Ao se omitir sobre a função social, o JC defende a propriedade absoluta liberal, que não demanda nenhuma conduta positiva do seu titular, modelo ultrapassado no mundo inteiro, ainda mais num país de propriedade concentrada e exclusão social como o nosso. Tal modelo é, inclusive, ilegal. O proprietário que não dá à sua terra uma destinação que atenda à função descumpre à lei, perde a legitimidade de seu domínio.
O MST e a legitimidade da luta pela reforma agrária
Por fim, o jornal ataca a legitimidade do MST para lutar pela reforma agrária, afirmando que as estratégia de luta estão “conduzindo um movimento de início popular e apoiado pela sociedade para o caminho da presunção, da autosuficiência e da ilegalidade.” Tal afirmação faz parte de um retórica que vem sendo muito utilizada, de colocar o veículo como sensível à reforma agrária, aos movimentos sociais, mas contrário às formas de atuação desses movimentos, que “deturpariam” a luta pela terra. Nada mais falacioso. O MST nunca teve a simpatia e o apoio dos grandes veículos de mídia, representantes da classe dominante, da propriedade. O jornal se utiliza ainda da afirmação de que “até marginais e presos foragidos” fazem parte do movimento, sem apresentar, no entanto, nenhuma prova de tal ocorrência.
Diante da inércia dos poderes públicos na realização de uma verdadeira reforma agrária, com a desapropriação das propriedades que não cumprem a sua função social, limitação do tamanho das propriedades, garantia de estrutura para os assentamentos, valorização da cooperação agrícola; enfim, com a construção de um modelo agrícola que garanta desenvolvimento social para todos, e não para uns poucos privilegiados, uma modernidade includente, não será possível a “indispensável tranquilidade e segurança necessárias aos trabalhos no campo” pregada pelo jornal. O Governo tem, na realidade, é que enquadrar os proprietários na lei, e desapropriar as propriedades que não cumprem a sua função social, destinando-as à reforma agrária. O MST se coloca como uma importante força de transformação dessa realidade, e, em decorrência disso, enfrenta a oposição dos diversos setores conservadores, dentre eles o Jornal do Commercio.
Rodolfo Cabral é ex-membro deo Movimento Faculdade Interativa e mestre em Direito e professor da Faculdade de Direito da UFPE.
A hegemonia, o aborto e as leis de Deus
Roberto Efrem Filho
Os meios de comunicação, notadamente os pernambucanos, têm conferido atenção especial nos últimos dias ao caso da menina de nove anos, moradora do município de Alagoinha, no Agreste de Pernambuco, descoberta grávida de gêmeos. Vítima de estupro, a criança foi conduzida ao Sistema Único de Saúde para o cumprimento do aborto legal. Em reação à decisão da família de levar a cabo o aborto, ao acolhimento médico-hospitalar e ao apoio de organizações feministas e de direitos humanos, Dom José Cardoso Sobrinho, o arcebispo de Olinda e Recife, excomungou da Igreja Católica todas as pessoas envolvidas material e mesmo simbolicamente no cumprimento do aborto legal. Segundo o arcebispo, trata-se de um crime gravíssimo contra as leis de deus.
O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê dois casos em que do aborto é afastado o crime. O primeiro deles dá-se “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Aplica-se a tese do estado de necessidade e, portanto, não há que se falar em antijuridicidade ou ilicitude. O segundo deles ocorre “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Entre os/as penalistas, essa segunda hipótese é classificada como “aborto sentimental”, dizendo respeito a todas as conseqüências, inclusive psicológicas e afetivas, de uma gestação não quista, decorrente de um ato de violência. Também no segundo caso, configurar-se-ia o estado de necessidade e, ademais, a não-exigibilidade de conduta diversa.
Ambas as hipóteses do aborto legal constituem interessantes encontros e desencontros entre Estado e Igreja. A história de nossa formação estatal, como se deu majoritariamente entre as nações latino-americanas, está umbilicalmente vinculada ao auge e ao declínio do potencial eclesiástico de hegemonização. Seja porque os bárbaros povos indígenas careciam de salvação divina e livramento dos pecados, seja porque os valores da família deveriam ser protegidos contra o ideário comunista, a Igreja historicamente forneceu o aparato simbólico e os argumentos necessários à legitimação do exercício da violência estatal. É possível falar, dessa maneira, numa cumplicidade estrutural entre Igreja e Estado. Isso não apenas porque as duas instituições cumprem íntimas funções de controle social das classes subalternas, mas porque, no contexto brasileiro, Igreja e Estado compartilham um trajeto comum, quase simbiótico, capaz de, em certas circunstâncias, confundir seus papéis.
A partir da inserção de novos sujeitos nos processos sociais de hegemonização, como a mídia e outros membros do campo religioso - os evangélicos, os espíritas etc. - Estado e Igreja Católica têm sofrido certo rearranjo conjuntural. As derrotas simbólicas, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, nos debates acerca das pesquisas com células-tronco, por exemplo, demonstram a vivência de uma nova trama nas atuais relações de poder. Importantes setores das classes dominantes exprimem publicamente discordâncias a Igreja. Esta passa, de modo cada vez mais direto, a tomar o Estado - antes seu incondicional aliado - como objeto de lutas. As posturas estatais diante do aborto, das distribuições e usos de preservativos e anticoncepcionais, da união entre pessoas do mesmo sexo, isso para citar somente algumas temáticas, são disputadas a ferro e fogo pelo clero.
Por certo, mais do que o pecado de uma menina de nove anos vítima de um estupro, o arcebispo de Olinda e Recife contesta uma posição estatal. Dom José Cardoso Sobrinho vem por em xeque normas consagradas pelo ordenamento jurídico pátrio. As hipóteses de aborto legal não são novas no Código Penal, pelo contrário, sua justificação consta na Exposição de Motivos da Parte Especial do Código datada de 1940. Mesmo no campo jurídico, tradicionalmente reconhecido por seu conservadorismo, o artigo 128 não causa polêmicas significativas. Dá-se, contudo, que a disputa empreendida pelo arcebispo vai muito além do aborto legal. Ela se vale do caso sob discussão como meio de reafirmar as posições da Igreja e sua relevância na arena pública, ainda que arcebispo e Igreja surjam momentaneamente como anacrônicos, ortodoxos ou dogmáticos. A eficácia simbólica de todo esse processo está, destarte, menos no aborto em questão, legal e seriamente encaminhado pela equipe do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) da Universidade de Pernambuco, e mais na ratificação midiática da necessidade de veiculação da fala da Igreja, inclusive sobre um assunto que no Estado não causa mais divergências.
Além da disputa do Estado, a intervenção do arcebispo confirma sua posição de dominância dentro da própria Igreja. Dom José Cardoso Sobrinho integra a resposta institucional conservadora da Igreja Católica à importância histórica dos setores cristãos ligados à teologia da libertação e, mais especificamente em Pernambuco, a Dom Helder Câmara. No ano de comemoração do centenário do nascimento de Dom Helder, quem liderou na Igreja uma aproximação com os movimentos sociais e a fortificação das pastorais de base, Dom José Cardoso Sobrinho vem desempenhar a função para o qual foi taticamente escolhido entre seus pares, a de desconstruir os laços por ventura sobreviventes entre a Igreja e as esquerdas e que possam remontar à possibilidade de articulação de uma contra-hegemonia por sacerdotes e fiéis.
Apesar dos rearranjos conjunturais no que tange às relações entre Igreja e Estado, não se deve, todavia, olvidar o peso simbólico do episcopado ou sua cumplicidade estrutural com o Estado. Pertence a Gramsci e a sua noção de bloco histórico a concepção - com a qual concordo - de que a conjuntura forma dialeticamente a estrutura, ou seja, que ambas compartilham uma historicidade. Porém, se os atuais rearranjos conjunturais foram capazes de provocar no STF a decisão favorável às pesquisas com células-tronco e de contrariar a opinião eclesiástica, não se prestaram a arrancar da parede do Supremo Tribunal, ou de suas estruturas, o crucifixo lá presente. É sob o esteio simbólico daquele crucifixo, e de todos os mais pregados nos gabinetes da burocracia estatal brasileira, que Dom José Cardoso Sobrinho tem o que dizer ao público e aos componentes da Igreja. Dessa forma, é contra aqueles crucifixos que o campo das esquerdas deve se erguer. A equipe do CISAM e as organizações feministas e de direitos humanos, excomungados, competentemente o fizeram. Agora, sob as mais diversas estratégias, é a nossa hora de sofrer excomunhão.
Roberto Efrem Filho é ex-membro do Movimento Faculdade Interativa, mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor substituto da mesma instituição.
Os meios de comunicação, notadamente os pernambucanos, têm conferido atenção especial nos últimos dias ao caso da menina de nove anos, moradora do município de Alagoinha, no Agreste de Pernambuco, descoberta grávida de gêmeos. Vítima de estupro, a criança foi conduzida ao Sistema Único de Saúde para o cumprimento do aborto legal. Em reação à decisão da família de levar a cabo o aborto, ao acolhimento médico-hospitalar e ao apoio de organizações feministas e de direitos humanos, Dom José Cardoso Sobrinho, o arcebispo de Olinda e Recife, excomungou da Igreja Católica todas as pessoas envolvidas material e mesmo simbolicamente no cumprimento do aborto legal. Segundo o arcebispo, trata-se de um crime gravíssimo contra as leis de deus.
O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê dois casos em que do aborto é afastado o crime. O primeiro deles dá-se “se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Aplica-se a tese do estado de necessidade e, portanto, não há que se falar em antijuridicidade ou ilicitude. O segundo deles ocorre “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Entre os/as penalistas, essa segunda hipótese é classificada como “aborto sentimental”, dizendo respeito a todas as conseqüências, inclusive psicológicas e afetivas, de uma gestação não quista, decorrente de um ato de violência. Também no segundo caso, configurar-se-ia o estado de necessidade e, ademais, a não-exigibilidade de conduta diversa.
Ambas as hipóteses do aborto legal constituem interessantes encontros e desencontros entre Estado e Igreja. A história de nossa formação estatal, como se deu majoritariamente entre as nações latino-americanas, está umbilicalmente vinculada ao auge e ao declínio do potencial eclesiástico de hegemonização. Seja porque os bárbaros povos indígenas careciam de salvação divina e livramento dos pecados, seja porque os valores da família deveriam ser protegidos contra o ideário comunista, a Igreja historicamente forneceu o aparato simbólico e os argumentos necessários à legitimação do exercício da violência estatal. É possível falar, dessa maneira, numa cumplicidade estrutural entre Igreja e Estado. Isso não apenas porque as duas instituições cumprem íntimas funções de controle social das classes subalternas, mas porque, no contexto brasileiro, Igreja e Estado compartilham um trajeto comum, quase simbiótico, capaz de, em certas circunstâncias, confundir seus papéis.
A partir da inserção de novos sujeitos nos processos sociais de hegemonização, como a mídia e outros membros do campo religioso - os evangélicos, os espíritas etc. - Estado e Igreja Católica têm sofrido certo rearranjo conjuntural. As derrotas simbólicas, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal, nos debates acerca das pesquisas com células-tronco, por exemplo, demonstram a vivência de uma nova trama nas atuais relações de poder. Importantes setores das classes dominantes exprimem publicamente discordâncias a Igreja. Esta passa, de modo cada vez mais direto, a tomar o Estado - antes seu incondicional aliado - como objeto de lutas. As posturas estatais diante do aborto, das distribuições e usos de preservativos e anticoncepcionais, da união entre pessoas do mesmo sexo, isso para citar somente algumas temáticas, são disputadas a ferro e fogo pelo clero.
Por certo, mais do que o pecado de uma menina de nove anos vítima de um estupro, o arcebispo de Olinda e Recife contesta uma posição estatal. Dom José Cardoso Sobrinho vem por em xeque normas consagradas pelo ordenamento jurídico pátrio. As hipóteses de aborto legal não são novas no Código Penal, pelo contrário, sua justificação consta na Exposição de Motivos da Parte Especial do Código datada de 1940. Mesmo no campo jurídico, tradicionalmente reconhecido por seu conservadorismo, o artigo 128 não causa polêmicas significativas. Dá-se, contudo, que a disputa empreendida pelo arcebispo vai muito além do aborto legal. Ela se vale do caso sob discussão como meio de reafirmar as posições da Igreja e sua relevância na arena pública, ainda que arcebispo e Igreja surjam momentaneamente como anacrônicos, ortodoxos ou dogmáticos. A eficácia simbólica de todo esse processo está, destarte, menos no aborto em questão, legal e seriamente encaminhado pela equipe do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM) da Universidade de Pernambuco, e mais na ratificação midiática da necessidade de veiculação da fala da Igreja, inclusive sobre um assunto que no Estado não causa mais divergências.
Além da disputa do Estado, a intervenção do arcebispo confirma sua posição de dominância dentro da própria Igreja. Dom José Cardoso Sobrinho integra a resposta institucional conservadora da Igreja Católica à importância histórica dos setores cristãos ligados à teologia da libertação e, mais especificamente em Pernambuco, a Dom Helder Câmara. No ano de comemoração do centenário do nascimento de Dom Helder, quem liderou na Igreja uma aproximação com os movimentos sociais e a fortificação das pastorais de base, Dom José Cardoso Sobrinho vem desempenhar a função para o qual foi taticamente escolhido entre seus pares, a de desconstruir os laços por ventura sobreviventes entre a Igreja e as esquerdas e que possam remontar à possibilidade de articulação de uma contra-hegemonia por sacerdotes e fiéis.
Apesar dos rearranjos conjunturais no que tange às relações entre Igreja e Estado, não se deve, todavia, olvidar o peso simbólico do episcopado ou sua cumplicidade estrutural com o Estado. Pertence a Gramsci e a sua noção de bloco histórico a concepção - com a qual concordo - de que a conjuntura forma dialeticamente a estrutura, ou seja, que ambas compartilham uma historicidade. Porém, se os atuais rearranjos conjunturais foram capazes de provocar no STF a decisão favorável às pesquisas com células-tronco e de contrariar a opinião eclesiástica, não se prestaram a arrancar da parede do Supremo Tribunal, ou de suas estruturas, o crucifixo lá presente. É sob o esteio simbólico daquele crucifixo, e de todos os mais pregados nos gabinetes da burocracia estatal brasileira, que Dom José Cardoso Sobrinho tem o que dizer ao público e aos componentes da Igreja. Dessa forma, é contra aqueles crucifixos que o campo das esquerdas deve se erguer. A equipe do CISAM e as organizações feministas e de direitos humanos, excomungados, competentemente o fizeram. Agora, sob as mais diversas estratégias, é a nossa hora de sofrer excomunhão.
Roberto Efrem Filho é ex-membro do Movimento Faculdade Interativa, mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e professor substituto da mesma instituição.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Semana Manoel Mattos de Direitos Humanos e Movimentos Sociais
Companheiros, encerro minhas palavras dizendo: as nossas lágrimas de hoje, o nosso sofrimento de hoje, servirão de combustível para futuras vitórias.
Nossa homenagem a Manoel Mattos, um homem de ação e de esperança.
O Movimento Faculdade Interativa, em parceria com o Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho (DADSF), o Núcleo do Partido dos Trabalhadores da UFPE, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra e a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pernambuco, promove, entre os dias 02 e 06 de março de 2009, a Semana Manoel Mattos de Direitos Humanos e Movimentos Sociais, em homenagem ao advogado pernambucano e defensor dos direitos humanos Manoel Mattos.
O evento contará com palestras, debates, júri simulado, cinema, apresentações culturais e convites à reflexão sobre a defesa dos direitos humanos e atuação dos movimentos sociais em nosso país.
As atividades acontecerão simultaneamente no edifício da Faculdade de Direito do Recife (em frente ao Parque 13 de Maio), no campus da UFPE e no campus da UNICAP. Maiores informações: 81 9273-5143 (Marcello Borba), 81 9648-9190 (Rafael Bezerra) e 81 8768-7286 (Carlos Padilha).
Clique no ícone abaixo e veja a programação completa da Semana Manoel Mattos de Direitos Humanos e Movimentos Sociais.
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Manoel Mattos
Weliton Carvalho
Conheci Manoel Mattos nos bancos da Católica, quando cursávamos direito. De logo percebi que ali estava alguém inquieto com as injustiças. Era um jovem de ação. Para ele o direito seria para sempre instrumento de realização da justiça. Tínhamos perfis diferentes: eu mais introspectivo, voltado para o direito enquanto ciência, ele, muito expansivo, participante da política acadêmica, estava sempre questionando as mazelas do mundo. Manoel nunca se acostumaria com as limitações da burocracia. Nunca lhe interessou o glamour do poder. Era um homem moldado para a ação, para resultados. Trazia consigo a pureza do espírito de Dom Quixote. Sair pelo mundo em busca de aventuras que tivesse por objetivo realizar a justiça e que viessem os moinhos de vento (...) E a preocupação de Manoel era fazer com que a justiça saísse da lei e fosse socorrer o mais anônimo dos homens. Ele nunca esqueceu suas origens, sua gente, os desamparados: a vida dos mais humildes fremia nos seus sonhos. O direito para ele teria que ganhar vida, tornar-se realidade no dia a dia das pessoas. Foi nisso que pautou sua existência e por esse motivo deixou-me imolar pela mais vil covardia de seus assassinos.
O homem não foge ao seu destino. Manoel Mattos chegou a advogar no âmbito sindical com resultados animadores. Mas seu destino, o dínamo de sua vida, era jogar-se na luta política (com ou sem mandato popular). Acreditava que a política estaria acima da investidura em cargo público. Entendia que cada homem é responsável por toda sociedade. Abraçou-se aos direitos humanos como a bandeira mais significativa. E de fato o é. Qual a mais importante missão de um ser humano do que lutar pela dignidade de todos? Só os abnegados são capazes de tal atitude. Esses homens colocam em segundo plano sua vida particular para se doar ao corpo social. Ele olha para sua rua, para seu bairro, para a cidade, para o país e todo homem é seu irmão, independente de raça, de credo, de sexo, de nacionalidade, de qualquer coisa.
Sempre senti em Manoel Mattos, desde a faculdade, a busca pela coerência. Estabelecer uma sintonia entre o discurso e a prática política. Talvez seja essa uma das grandes dificuldades dos homens de Estado: a ética. Apesar de não nos frequentarmos amiúde, sempre acompanhei os movimentos de Manoel. E sempre temi por sua vida. Por notícias de amigos comuns me chegavam avisos de ameaça de morte a ele. Mas ao que parece, Manoel não se intimidaria. E penso que nenhum amigo teria coragem de pedir que ele abandonasse a luta. Se tal ocorresse, Manoel não só deixaria de atender o pedido como ficaria triste, pois o amigo não teria entendido o sentido de sua vida.
Ficávamos torcendo para que as ameaças nunca fossem concretizadas.
Infelizmente não foi o que ocorreu. E ocorreu de um modo covarde, como só os desalmados são capazes de urdir um crime tão terrível. Pelo o que Manoel Mattos nos deixou, algo precioso em nós foi atingido. Em assim, Manoel não morreu sozinho. Todos nós morremos um pouco (ou muito) com ele. É o mínimo que se pode fazer é apurar e punir os responsáveis por este ato repugnante que envergonha o direito e a justiça, bandeiras da vida de Manoel Mattos.
Pelo meu modo introspectivo de ser (ao menos à época da faculdade), Manoel fez um comentário a um amigo comum que me repassou: – Weliton, você sabia que Manoel gosta muito de você? Mas diz que às vezes você fica muito ensimesmado. Não me aborreci com o comentário que era verdadeiro. Eu só não sabia que um dia ficaria ensimesmado por tua causa, Manoel.
Weliton Carvalho é magistrado e doutor em direito.
Conheci Manoel Mattos nos bancos da Católica, quando cursávamos direito. De logo percebi que ali estava alguém inquieto com as injustiças. Era um jovem de ação. Para ele o direito seria para sempre instrumento de realização da justiça. Tínhamos perfis diferentes: eu mais introspectivo, voltado para o direito enquanto ciência, ele, muito expansivo, participante da política acadêmica, estava sempre questionando as mazelas do mundo. Manoel nunca se acostumaria com as limitações da burocracia. Nunca lhe interessou o glamour do poder. Era um homem moldado para a ação, para resultados. Trazia consigo a pureza do espírito de Dom Quixote. Sair pelo mundo em busca de aventuras que tivesse por objetivo realizar a justiça e que viessem os moinhos de vento (...) E a preocupação de Manoel era fazer com que a justiça saísse da lei e fosse socorrer o mais anônimo dos homens. Ele nunca esqueceu suas origens, sua gente, os desamparados: a vida dos mais humildes fremia nos seus sonhos. O direito para ele teria que ganhar vida, tornar-se realidade no dia a dia das pessoas. Foi nisso que pautou sua existência e por esse motivo deixou-me imolar pela mais vil covardia de seus assassinos.
O homem não foge ao seu destino. Manoel Mattos chegou a advogar no âmbito sindical com resultados animadores. Mas seu destino, o dínamo de sua vida, era jogar-se na luta política (com ou sem mandato popular). Acreditava que a política estaria acima da investidura em cargo público. Entendia que cada homem é responsável por toda sociedade. Abraçou-se aos direitos humanos como a bandeira mais significativa. E de fato o é. Qual a mais importante missão de um ser humano do que lutar pela dignidade de todos? Só os abnegados são capazes de tal atitude. Esses homens colocam em segundo plano sua vida particular para se doar ao corpo social. Ele olha para sua rua, para seu bairro, para a cidade, para o país e todo homem é seu irmão, independente de raça, de credo, de sexo, de nacionalidade, de qualquer coisa.
Sempre senti em Manoel Mattos, desde a faculdade, a busca pela coerência. Estabelecer uma sintonia entre o discurso e a prática política. Talvez seja essa uma das grandes dificuldades dos homens de Estado: a ética. Apesar de não nos frequentarmos amiúde, sempre acompanhei os movimentos de Manoel. E sempre temi por sua vida. Por notícias de amigos comuns me chegavam avisos de ameaça de morte a ele. Mas ao que parece, Manoel não se intimidaria. E penso que nenhum amigo teria coragem de pedir que ele abandonasse a luta. Se tal ocorresse, Manoel não só deixaria de atender o pedido como ficaria triste, pois o amigo não teria entendido o sentido de sua vida.
Ficávamos torcendo para que as ameaças nunca fossem concretizadas.
Infelizmente não foi o que ocorreu. E ocorreu de um modo covarde, como só os desalmados são capazes de urdir um crime tão terrível. Pelo o que Manoel Mattos nos deixou, algo precioso em nós foi atingido. Em assim, Manoel não morreu sozinho. Todos nós morremos um pouco (ou muito) com ele. É o mínimo que se pode fazer é apurar e punir os responsáveis por este ato repugnante que envergonha o direito e a justiça, bandeiras da vida de Manoel Mattos.
Pelo meu modo introspectivo de ser (ao menos à época da faculdade), Manoel fez um comentário a um amigo comum que me repassou: – Weliton, você sabia que Manoel gosta muito de você? Mas diz que às vezes você fica muito ensimesmado. Não me aborreci com o comentário que era verdadeiro. Eu só não sabia que um dia ficaria ensimesmado por tua causa, Manoel.
Weliton Carvalho é magistrado e doutor em direito.
domingo, 1 de fevereiro de 2009
A nova geopolítica da fome
João Pedro Stedile
Nos anos 60, cerca de 80 milhões de pessoas sofriam fome no mundo. Estava no auge o capitalismo industrial e as empresas multinacionais se expandiam por todo o planeta para dominar os mercados e explorar a mão-de-obra barata e os recursos naturais dos países periféricos. Nesse contexto foi lançada a Revolução Verde, que prometia acabar com a fome. Seu mentor, Norman Borlaug, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1970. O verdadeiro objetivo era introduzir uma nova matriz produtiva na agricultura com base no uso intensivo de insumos industriais. A produtividade por hectare aumentou e a produção mundial quadruplicou. Mas os famintos passaram de 80 milhões para 800 milhões.
Hoje em dia, 70 países dependem das importações para alimentar seus povos. Isto demonstra que o novo modelo de agricultura serviu para concentrar a produção e o comércio agrícola mundial de alimentos em não mais de 30 multinacionais: Bunge, Cargill, ADM, Dreyfuss, Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Nestlé, etc. Uma notícia ruim recente nos diz que, segundo as estimativas, as reservas de petróleo, fonte de energia dominante no mundo contemporâneo, não vão durar mais de 30 anos. Outra avaliação inquietante nos alerta que avança perigosamente o aquecimento global.
Diante desta perspectiva se formou uma aliança diabólica entre as empresas petroleiras, automobilísticas e agroindustriais para produção em grande escala de agrocombustíveis (que enganosamente são chamados de biocombustíveis) como o etanol em países com abundância de terra, sol, água e mão-de-obra barata. Nos últimos cinco anos, milhões de hectares antes dedicados à alimentação e controlados por camponeses foram captadas por grandes empresas e utilizadas para implantar monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho, palma africana ou girassol a fim de produzir etanol ou óleos vegetais.
Está se repetindo a manipulação da Revolução Verde. Neste caso, como o preço do etanol está vinculado ao preço do petróleo, a taxa média de lucro da agricultura sobe de nível e faz aumentar os preços da comida. Entretanto, os agrocombustíveis não resolverão o dilema da energia nem do aquecimento global. Os cientistas nos alertam que para substituir apenas 20% de todo o petróleo consumido no mundo atualmente teríamos de utilizar todas as terras férteis do planeta. Já estávamos vivendo uma situação anômala na produção e nos preços dos alimentos quando sobreveio a crise do capital financeiro.
Muitos detentores de volumosas quantias de capital financeiro, seja na forma de dinheiro ou de capital fictício (títulos do Tesouro, obrigações, hipotecas), temerosos de enfrentar perdas, correram para investir nas bolsas de mercadorias e futuro e comprar bens naturais – terra, energia, água – nos países periféricos. Com conseqüência desses movimentos de capitais as cotações dos produtos agrícolas em todo o mundo já não estão relacionadas com os custos de produção e nem mesmo com os volumes da oferta e da demanda. Agora oscilam rapidamente ao ritmo das especulações na bolsa e do controle oligopólico exercido pelas multinacionais sobre o mercado internacional de alimentos. Isto é, que a humanidade está nas mãos de um punhado de multinacionais e de grandes especuladores.
Resultado: segundo a FAO os famintos aumentaram novamente, somente nos dois últimos anos, de 800 milhões para 925 milhões. E milhões de camponeses na América Latina, Ásia e África estão perdendo suas terras e emigrando. Diante desta nova situação, a Via Camponesa, que reúne dezenas de organizações de camponeses de todo o mundo, postula uma transformação radical no sistema da produção e do comércio dos alimentos. Defendemos o princípio da soberania alimentar: que em cada região e em cada país os governos apliquem políticas públicas que estimulem e garantam a produção e o acesso a todos os alimentos necessários para suas respectivas populações.
Não existe nenhuma região no mundo que não tenha capacidade potencial de produzir sua própria alimentação. Como explicou na década de 50 Josué de Castro, autor de “Geopolítica da fome”, a fome e a falta de alimentos não provêm de uma condição geográfica ou climática, mas são resultado de relações sociais de produção. Afirmamos que a humanidade deve considerar à alimentação como um direito natural de todo ser humano. Isto implica que os produtos agrícolas não devem ser tratados como uma mercadoria cuja finalidade seja o lucro empresarial, e que se deve estimular e fortalecer os pequenos agricultores, já que esta é a única política que pode manter a população nas áreas rurais. E desde já, com a meta de obter alimentos sãos e seguros, excluímos o uso de agrotóxicos. Até agora, os governantes de fizeram de surdos às nossas reclamações. Mas, a menos que adotem mudanças radicais, as contradições e os problemas sociais se agravarão e, cedo ou tarde, explodirão.
João Pedro Stédile é membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e da Via Campesina Internacional.
Nos anos 60, cerca de 80 milhões de pessoas sofriam fome no mundo. Estava no auge o capitalismo industrial e as empresas multinacionais se expandiam por todo o planeta para dominar os mercados e explorar a mão-de-obra barata e os recursos naturais dos países periféricos. Nesse contexto foi lançada a Revolução Verde, que prometia acabar com a fome. Seu mentor, Norman Borlaug, recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1970. O verdadeiro objetivo era introduzir uma nova matriz produtiva na agricultura com base no uso intensivo de insumos industriais. A produtividade por hectare aumentou e a produção mundial quadruplicou. Mas os famintos passaram de 80 milhões para 800 milhões.
Hoje em dia, 70 países dependem das importações para alimentar seus povos. Isto demonstra que o novo modelo de agricultura serviu para concentrar a produção e o comércio agrícola mundial de alimentos em não mais de 30 multinacionais: Bunge, Cargill, ADM, Dreyfuss, Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Nestlé, etc. Uma notícia ruim recente nos diz que, segundo as estimativas, as reservas de petróleo, fonte de energia dominante no mundo contemporâneo, não vão durar mais de 30 anos. Outra avaliação inquietante nos alerta que avança perigosamente o aquecimento global.
Diante desta perspectiva se formou uma aliança diabólica entre as empresas petroleiras, automobilísticas e agroindustriais para produção em grande escala de agrocombustíveis (que enganosamente são chamados de biocombustíveis) como o etanol em países com abundância de terra, sol, água e mão-de-obra barata. Nos últimos cinco anos, milhões de hectares antes dedicados à alimentação e controlados por camponeses foram captadas por grandes empresas e utilizadas para implantar monoculturas de cana-de-açúcar, soja, milho, palma africana ou girassol a fim de produzir etanol ou óleos vegetais.
Está se repetindo a manipulação da Revolução Verde. Neste caso, como o preço do etanol está vinculado ao preço do petróleo, a taxa média de lucro da agricultura sobe de nível e faz aumentar os preços da comida. Entretanto, os agrocombustíveis não resolverão o dilema da energia nem do aquecimento global. Os cientistas nos alertam que para substituir apenas 20% de todo o petróleo consumido no mundo atualmente teríamos de utilizar todas as terras férteis do planeta. Já estávamos vivendo uma situação anômala na produção e nos preços dos alimentos quando sobreveio a crise do capital financeiro.
Muitos detentores de volumosas quantias de capital financeiro, seja na forma de dinheiro ou de capital fictício (títulos do Tesouro, obrigações, hipotecas), temerosos de enfrentar perdas, correram para investir nas bolsas de mercadorias e futuro e comprar bens naturais – terra, energia, água – nos países periféricos. Com conseqüência desses movimentos de capitais as cotações dos produtos agrícolas em todo o mundo já não estão relacionadas com os custos de produção e nem mesmo com os volumes da oferta e da demanda. Agora oscilam rapidamente ao ritmo das especulações na bolsa e do controle oligopólico exercido pelas multinacionais sobre o mercado internacional de alimentos. Isto é, que a humanidade está nas mãos de um punhado de multinacionais e de grandes especuladores.
Resultado: segundo a FAO os famintos aumentaram novamente, somente nos dois últimos anos, de 800 milhões para 925 milhões. E milhões de camponeses na América Latina, Ásia e África estão perdendo suas terras e emigrando. Diante desta nova situação, a Via Camponesa, que reúne dezenas de organizações de camponeses de todo o mundo, postula uma transformação radical no sistema da produção e do comércio dos alimentos. Defendemos o princípio da soberania alimentar: que em cada região e em cada país os governos apliquem políticas públicas que estimulem e garantam a produção e o acesso a todos os alimentos necessários para suas respectivas populações.
Não existe nenhuma região no mundo que não tenha capacidade potencial de produzir sua própria alimentação. Como explicou na década de 50 Josué de Castro, autor de “Geopolítica da fome”, a fome e a falta de alimentos não provêm de uma condição geográfica ou climática, mas são resultado de relações sociais de produção. Afirmamos que a humanidade deve considerar à alimentação como um direito natural de todo ser humano. Isto implica que os produtos agrícolas não devem ser tratados como uma mercadoria cuja finalidade seja o lucro empresarial, e que se deve estimular e fortalecer os pequenos agricultores, já que esta é a única política que pode manter a população nas áreas rurais. E desde já, com a meta de obter alimentos sãos e seguros, excluímos o uso de agrotóxicos. Até agora, os governantes de fizeram de surdos às nossas reclamações. Mas, a menos que adotem mudanças radicais, as contradições e os problemas sociais se agravarão e, cedo ou tarde, explodirão.
João Pedro Stédile é membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e da Via Campesina Internacional.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Dividir para somar
Evandro Menezes de Carvalho
A Câmara dos Deputados surpreende ao aprovar o projeto de lei que reserva metade das vagas das universidades federais para os candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Os detratores deste projeto levantam três objeções: 1) estas cotas andam na contramão do mérito, 2) farão com que as universidades deixem de formar os melhores quadros para o País e, 3) são discriminatórias, pois somente um grupo, sobretudo a classe média branca e que estudou em escola privada, arcaria com as conseqüências desta medida.
Nenhuma dessas três objeções se sustenta. Quanto à primeira, o mérito dos aprovados no vestibular estará preservado. Os alunos das escolas públicas concorrerão entre si a 50% das vagas, e somente os melhores dentre eles terão acesso à universidade federal.
O mesmo raciocínio, por óbvio, aplica-se para os alunos oriundos das escolas privadas. Ninguém é favorecido em detrimento do outro. Ninguém sai com 10 pontos à frente do concorrente na prova do vestibular só porque é negro, branco, pardo, índio etc. Além disso, uma vez aprovado, o universitário, independentemente de sua cor ou condição social, terá que demonstrar a sua competência acadêmica em condições de igualdade. Será avaliado pelos professores e estará sujeito às regras de jubilamento aplicáveis a todos os discentes, sem qualquer discriminação. O mérito não se revela apenas ao entrar na Universidade, mas em conseguir sair dela com o diploma na mão.
A segunda objeção manifesta um violento preconceito: os alunos de escolas públicas não teriam condições de se tornar bons quadros para o País.
Esta percepção desconfia não só da capacidade desses alunos, mas também dos professores e da própria universidade de transformar positivamente a vida do estudante. Ao atribuírem o sucesso da instituição apenas à qualidade do aluno ingressante, reforçam o desprezo que, paradoxalmente, nutrem pelas instituições públicas. O professor torna-se um elemento dispensável.
É por este motivo que, ao entrar na universidade, muitos alunos que estudaram em escolas privadas tratam de encontrar meios para não freqüentá-la a fim de ter mais tempo para fazer estágios ou cursos pagos preparatórios para concursos.
Grande parte das classes média alta e rica que deploram as cotas há muito abandonaram as universidades públicas. Desprezam-na. E neste desprezo sequer se mobilizam para lutar pelas melhorias do ensino superior. Isto ocorre porque não dependem totalmente delas.
Se é assim, então é melhor apostarmos nas cotas a fim de entregar o destino das universidades federais para quem depende delas e quer efetivamente nelas estudar. Este ponto de vista afasta a terceira objeção. Esta, aliás, ignora o outro lado da moeda: as décadas de discrimação infligidas contra os negros e as classes pobres que estudaram em escolas públicas.
O preconceito no Brasil vem de longe e ainda está muito vivo entre nós. E não é o caso aqui de discutirmos se ele é maior contra negro, pobre, mulher, nordestino, índio, deficiente etc. Ele existe e é implacável.
E este preconceito se alastra a partir do cume da sociedade que, do alto de sua ignorância quanto à realidade brasileira, esmera-se sem qualquer vergonha em defender o que lhe resta de patrimônio material - a gratuidade do ensino superior é uma delas.
É preciso que se diga a estas pessoas que as universidades federais devem estar a serviço do povo e, sobretudo, ser do povo. Se isto, hoje, é retórica, amanhã poderá vir a ser realidade com a efetiva promulgação do projeto de lei.
Por fim, outras conseqüências positivas advirão com estas cotas. As famílias de classe média que não têm condições de pagar por uma boa escola privada poderão considerar a opção de pôr o seu filho em uma escola pública.
Isto produzirá demandas para a melhoria da qualidade do ensino médio nestas escolas. Outro aspecto positivo reside no fato de as cotas favorecerem o convívio e a aprendizagem em um ambiente plural e diversificado - um pedaço do Brasil real. A nova elite que surgirá daí saberá dialogar e tirar o melhor das diferenças.
Evandro Menezes de Carvalho é ex-membro do Movimento Faculdade Interativa e coordenador de graduação da FGV-Direito/Rio. Artigo publicado no Jornal do Commércio em 05/12/2008.
A Câmara dos Deputados surpreende ao aprovar o projeto de lei que reserva metade das vagas das universidades federais para os candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Os detratores deste projeto levantam três objeções: 1) estas cotas andam na contramão do mérito, 2) farão com que as universidades deixem de formar os melhores quadros para o País e, 3) são discriminatórias, pois somente um grupo, sobretudo a classe média branca e que estudou em escola privada, arcaria com as conseqüências desta medida.
Nenhuma dessas três objeções se sustenta. Quanto à primeira, o mérito dos aprovados no vestibular estará preservado. Os alunos das escolas públicas concorrerão entre si a 50% das vagas, e somente os melhores dentre eles terão acesso à universidade federal.
O mesmo raciocínio, por óbvio, aplica-se para os alunos oriundos das escolas privadas. Ninguém é favorecido em detrimento do outro. Ninguém sai com 10 pontos à frente do concorrente na prova do vestibular só porque é negro, branco, pardo, índio etc. Além disso, uma vez aprovado, o universitário, independentemente de sua cor ou condição social, terá que demonstrar a sua competência acadêmica em condições de igualdade. Será avaliado pelos professores e estará sujeito às regras de jubilamento aplicáveis a todos os discentes, sem qualquer discriminação. O mérito não se revela apenas ao entrar na Universidade, mas em conseguir sair dela com o diploma na mão.
A segunda objeção manifesta um violento preconceito: os alunos de escolas públicas não teriam condições de se tornar bons quadros para o País.
Esta percepção desconfia não só da capacidade desses alunos, mas também dos professores e da própria universidade de transformar positivamente a vida do estudante. Ao atribuírem o sucesso da instituição apenas à qualidade do aluno ingressante, reforçam o desprezo que, paradoxalmente, nutrem pelas instituições públicas. O professor torna-se um elemento dispensável.
É por este motivo que, ao entrar na universidade, muitos alunos que estudaram em escolas privadas tratam de encontrar meios para não freqüentá-la a fim de ter mais tempo para fazer estágios ou cursos pagos preparatórios para concursos.
Grande parte das classes média alta e rica que deploram as cotas há muito abandonaram as universidades públicas. Desprezam-na. E neste desprezo sequer se mobilizam para lutar pelas melhorias do ensino superior. Isto ocorre porque não dependem totalmente delas.
Se é assim, então é melhor apostarmos nas cotas a fim de entregar o destino das universidades federais para quem depende delas e quer efetivamente nelas estudar. Este ponto de vista afasta a terceira objeção. Esta, aliás, ignora o outro lado da moeda: as décadas de discrimação infligidas contra os negros e as classes pobres que estudaram em escolas públicas.
O preconceito no Brasil vem de longe e ainda está muito vivo entre nós. E não é o caso aqui de discutirmos se ele é maior contra negro, pobre, mulher, nordestino, índio, deficiente etc. Ele existe e é implacável.
E este preconceito se alastra a partir do cume da sociedade que, do alto de sua ignorância quanto à realidade brasileira, esmera-se sem qualquer vergonha em defender o que lhe resta de patrimônio material - a gratuidade do ensino superior é uma delas.
É preciso que se diga a estas pessoas que as universidades federais devem estar a serviço do povo e, sobretudo, ser do povo. Se isto, hoje, é retórica, amanhã poderá vir a ser realidade com a efetiva promulgação do projeto de lei.
Por fim, outras conseqüências positivas advirão com estas cotas. As famílias de classe média que não têm condições de pagar por uma boa escola privada poderão considerar a opção de pôr o seu filho em uma escola pública.
Isto produzirá demandas para a melhoria da qualidade do ensino médio nestas escolas. Outro aspecto positivo reside no fato de as cotas favorecerem o convívio e a aprendizagem em um ambiente plural e diversificado - um pedaço do Brasil real. A nova elite que surgirá daí saberá dialogar e tirar o melhor das diferenças.
Evandro Menezes de Carvalho é ex-membro do Movimento Faculdade Interativa e coordenador de graduação da FGV-Direito/Rio. Artigo publicado no Jornal do Commércio em 05/12/2008.
Cotas: sim!
Ítalo Lopes
Aprioristicamente, o sistema de cotas para estudantes da rede pública em Universidades Federais e Estaduais do Brasil, instituído pelo Governo Lula [PT], gerou uma enorme polêmica que se alastra até os dias atuais, geralmente encabeçados pela classe mais afetada de todo este processo: ‘A classe média’, que a partir de agora, ver seus estudantes correrem o grande risco de não ingressarem na Universidade pública devido às “vantagens” oferecidas pelo Governo aos estudantes menos privilegiados na sociedade.
Além disso, recentemente, Nice Lobão [DEM-MA], criou um projeto no qual já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, visando aprimorar o sistema de cotas e oferecer 50% das vagas pros estudantes secundaristas provenientes da rede pública de ensino, voltando a se tornar, obviamente, alvo de muita polêmica na sociedade brasileira. A proposta foi aprovada na quinta-feira (20/11) pela Câmara dos Deputados. Agora, precisa passar pelo crivo do Senado. O projeto de lei recebeu emenda que destina metade dessas vagas (25% do total) para estudantes pertencentes a famílias com renda até R$ 622,50 (um salário mínimo e meio). Os outros 25% serão para negros, pardos e indígenas.
Desses 25%, o número de vagas para cada etnia será divido conforme a sua representação no estado em que está localizada a instituição, ou seja, se a porcentagem de indígena for a maior, esse grupo terá o numero de vagas maior. Os dados serão baseados no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Argumentando como um estudante cotista, essa iniciativa realmente dota de grande aceitação entre nós, que agora estamos mais motivados do que nunca para dar continuidade as nossas aspirações acadêmicas, pois a chance de ter acesso gratuito ao ensino superior se torna mais real, disponibilizando um combustível a mais no árduo processo de formação acadêmica da grande maioria dos estudantes, que lamentavelmente, não avançam muito neste universo, por não ter uma estrutura digna que suporte isto.
Ademais, existem muitas pessoas à margem da realidade, que veementemente proferem em seus discursos a inviabilidade deste processo, que nada mais é do que uma ameaça à qualidade do ensino universitário público do Brasil, assim como seu possível sucateamento. Oras, pesquisas demonstram que estudantes da rede pública não apresentam desempenho tão inferior aos ilustres estudantes da rede privada, como erroneamente muitos pensam. Além disso, se um mero ‘incentivo’ oferecido pela UFPE [aumento de 10% na média final do candidato] estimula muitos estudantes, imaginem a reserva de 50% das vagas.
Muito podem achar um absurdo tal projeto, achando que esta é uma maneira de ridicularizar o sistema como um todo, porém se formos fazer uma proporção entre os estudantes da rede pública e da rede privada, percebemos que 50% ainda é pouco, quando partimos do pressuposto da igualdade, pois não correspondem a real demanda dos estudantes de colégios públicos. Obviamente, sabemos que este projeto está muito aquém do ideal, até porque lutamos, pressionando as autoridades, para que isto não seja necessário, almejando a extinção do vestibular e a garantia de uma vaga para todo e qualquer aluno que esteja interessado em seguir os estudos no mundo acadêmico, com um simultâneo investimento na rede básica de ensino, na qual se encontra vergonhosos e lamentáveis dados estatísticos, pois nada mais é do que a fonte real de todo o problema na Educação.
Em suma, exponho meu grande apoio ao sistema de cotas para estudantes da rede pública de ensino que apresentem uma baixa renda familiar, pois claramente, através da elitização dos centros de excelência como Colégio de Aplicação/UFPE, Escola do Recife/UPE entre tantos outros, nos faz concluir que ser estudante de escola pública não está necessariamente ligado ao fato de ser ‘pobre’. Vamos levantar essa bandeira para o sistema de cotas e permitir que a sociedade não perpetue essa reprodução injusta, no qual ‘pobre’ não é digno de integrar os círculos acadêmicos nobres, tais como Direito e Medicina. Viva a igualdade! Viva ao Movimento Faculdade Interativa! Viva!
Ítalo Lopes é estudante da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e membro do Movimento Faculdade Interativa.
Aprioristicamente, o sistema de cotas para estudantes da rede pública em Universidades Federais e Estaduais do Brasil, instituído pelo Governo Lula [PT], gerou uma enorme polêmica que se alastra até os dias atuais, geralmente encabeçados pela classe mais afetada de todo este processo: ‘A classe média’, que a partir de agora, ver seus estudantes correrem o grande risco de não ingressarem na Universidade pública devido às “vantagens” oferecidas pelo Governo aos estudantes menos privilegiados na sociedade.
Além disso, recentemente, Nice Lobão [DEM-MA], criou um projeto no qual já foi aprovado pela Câmara dos Deputados, visando aprimorar o sistema de cotas e oferecer 50% das vagas pros estudantes secundaristas provenientes da rede pública de ensino, voltando a se tornar, obviamente, alvo de muita polêmica na sociedade brasileira. A proposta foi aprovada na quinta-feira (20/11) pela Câmara dos Deputados. Agora, precisa passar pelo crivo do Senado. O projeto de lei recebeu emenda que destina metade dessas vagas (25% do total) para estudantes pertencentes a famílias com renda até R$ 622,50 (um salário mínimo e meio). Os outros 25% serão para negros, pardos e indígenas.
Desses 25%, o número de vagas para cada etnia será divido conforme a sua representação no estado em que está localizada a instituição, ou seja, se a porcentagem de indígena for a maior, esse grupo terá o numero de vagas maior. Os dados serão baseados no último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Argumentando como um estudante cotista, essa iniciativa realmente dota de grande aceitação entre nós, que agora estamos mais motivados do que nunca para dar continuidade as nossas aspirações acadêmicas, pois a chance de ter acesso gratuito ao ensino superior se torna mais real, disponibilizando um combustível a mais no árduo processo de formação acadêmica da grande maioria dos estudantes, que lamentavelmente, não avançam muito neste universo, por não ter uma estrutura digna que suporte isto.
Ademais, existem muitas pessoas à margem da realidade, que veementemente proferem em seus discursos a inviabilidade deste processo, que nada mais é do que uma ameaça à qualidade do ensino universitário público do Brasil, assim como seu possível sucateamento. Oras, pesquisas demonstram que estudantes da rede pública não apresentam desempenho tão inferior aos ilustres estudantes da rede privada, como erroneamente muitos pensam. Além disso, se um mero ‘incentivo’ oferecido pela UFPE [aumento de 10% na média final do candidato] estimula muitos estudantes, imaginem a reserva de 50% das vagas.
Muito podem achar um absurdo tal projeto, achando que esta é uma maneira de ridicularizar o sistema como um todo, porém se formos fazer uma proporção entre os estudantes da rede pública e da rede privada, percebemos que 50% ainda é pouco, quando partimos do pressuposto da igualdade, pois não correspondem a real demanda dos estudantes de colégios públicos. Obviamente, sabemos que este projeto está muito aquém do ideal, até porque lutamos, pressionando as autoridades, para que isto não seja necessário, almejando a extinção do vestibular e a garantia de uma vaga para todo e qualquer aluno que esteja interessado em seguir os estudos no mundo acadêmico, com um simultâneo investimento na rede básica de ensino, na qual se encontra vergonhosos e lamentáveis dados estatísticos, pois nada mais é do que a fonte real de todo o problema na Educação.
Em suma, exponho meu grande apoio ao sistema de cotas para estudantes da rede pública de ensino que apresentem uma baixa renda familiar, pois claramente, através da elitização dos centros de excelência como Colégio de Aplicação/UFPE, Escola do Recife/UPE entre tantos outros, nos faz concluir que ser estudante de escola pública não está necessariamente ligado ao fato de ser ‘pobre’. Vamos levantar essa bandeira para o sistema de cotas e permitir que a sociedade não perpetue essa reprodução injusta, no qual ‘pobre’ não é digno de integrar os círculos acadêmicos nobres, tais como Direito e Medicina. Viva a igualdade! Viva ao Movimento Faculdade Interativa! Viva!
Ítalo Lopes é estudante da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e membro do Movimento Faculdade Interativa.
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Cotas: onde está o debate?
Marcello Borba
Lembro até hoje do dia que entrei num colégio público pela primeira vez. Foi desolador, eu acostumado com o mundo da Barbie (não por ser alvirrubro), mas por acreditar que todos os colégios eram, ou deviam ser, iguais aos meus e que todas as pessoas tinham vidas iguais as minhas.
Foi um choque de estrutura, parecia um buraco, tudo pixado (anêmico tava lá!), tudo muito sujo. Pessoas fora de sala no horário de aula, estavam sem professor de geografia.
Enfim, tudo que para mim era uma imagem da TV, imagem fora de meu mundo, estava ali na minha frente.
Um detalhe me chamou mais atenção ainda, nesta época estava lendo Casa Grande & Senzala (viva a democracia racial?), foi o fato de a maioria dos alunos serem, morenos e negros. Na minha sala só tinha um “negão”, existiam alguns morenos como eu, mas a grande maioria, principalmente das mulheres era irretocavelmente anêmica, com cara de Barbie e cabelo lisinho que nem quiabo, e de repente estava eu lá, sendo minoria num país (multiétnico?).
Então nós temos dois grandes problemas: o primeiro a estrutura, o segundo a cor.
A estrutura se refere ao Colégio Alfredo Freire (Água fria), vejamos, não tinham aula de Geografia, nem de Biologia (às vezes meu tio dava aula de biologia lá, mas muitas vezes não dava tempo, tinha que ensinar Física, Química e Matemática, ele só é formado em Física e Matemática) e Português só sabiam falar, a professora de Português não dava aula. Passar de ano não era problema. O problema era aprender alguma coisa. Se com aula, nós, de colégio particular, sentimos algum problema, em determinadas matérias, imagine quem não pode nem se quer sentir o cheiro? Ah mas o Liceu e o Ginásio Pernambucano tem aula sim e aprovam muito. O GP e o Liceu são únicos, o resto é resto, literalmente.
O problema da cor resulta do fato de, no caso deste colégio, quem freqüenta é o pessoal de Água Fria, Chão de Estrelas, Beberibe, e alguns altos da vida (Pascoal, Bonifácio), enfim a periferia do Recife. E esta periferia é forma por: momento de suspense. Pronto agora vai:.basicamente negros.
Solução encontrada pelo governo: julgar o continente pelo conteúdo negligenciando os dois.
Perai, os playboy freqüentam a universidade pública, a universidade pública é para todos e está havendo um injustiça social, já sei: 50% de cotas para quem é da rede pública. Solucionamos o problema, vamos tirar uma foto.
Vejam só, o colégio degradado e acabado, Professores mal pagos e sem estimulo, e estudantes que estavam no terceiro ano a grande maioria não ia prestar vestibular (nem pra Nassau). E o governo vem dizer que a solução do problema são as cotas?
O buraco é mais embaixo...
Jogar essa galera na universidade sem fazer uma reforma educacional no ensino de base, que anda acabado (melhor, nem anda) é simplesmente negligenciar os reais problemas da educação pública e jogar uma solução que lhe convém na alegação de igualdade promovendo a verdadeira injustiça social. Por que não melhorar o ensino de base? Por que não? Por que não?
Tem de haver a entrada de todos na universidade pública sim! Independente de classe, gênero ou cor, mas na situação que encontramos o ensino público, abrir as portas da universidade sem dar o mínimo apoio educacional a quem entra é querer transformar o ensino em números aparentes, sem se preocupar como estes alunos vão concluir o curso. Tudo bem, temos números que onde as universidades adotaram as cotas os alunos estão indo bem. Tudo bem. Mas o grande problema não é este. Não é simplesmente garantir acesso ao ensino, ou fazer que todos se formem e sejam bacharéis. O problema educacional reflete no nível de vida e de emprego... Formar pessoas não garante melhoria por si só.
Tenho uma visão cética quanto ao futuro por toda esta conjuntura apresentada: o ensino de base totalmente acabado e o ensino superior que já ta mal das pernas, sem nenhuma perspectiva de melhora e servindo de base para um suposto plano de igualdade, mas que é nada mais nada menos, que uma solução ínfima para todo o cenário que possuímos.
Marcello Borba é estudante da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e membro do Movimento Faculdade Interativa.
Lembro até hoje do dia que entrei num colégio público pela primeira vez. Foi desolador, eu acostumado com o mundo da Barbie (não por ser alvirrubro), mas por acreditar que todos os colégios eram, ou deviam ser, iguais aos meus e que todas as pessoas tinham vidas iguais as minhas.
Foi um choque de estrutura, parecia um buraco, tudo pixado (anêmico tava lá!), tudo muito sujo. Pessoas fora de sala no horário de aula, estavam sem professor de geografia.
Enfim, tudo que para mim era uma imagem da TV, imagem fora de meu mundo, estava ali na minha frente.
Um detalhe me chamou mais atenção ainda, nesta época estava lendo Casa Grande & Senzala (viva a democracia racial?), foi o fato de a maioria dos alunos serem, morenos e negros. Na minha sala só tinha um “negão”, existiam alguns morenos como eu, mas a grande maioria, principalmente das mulheres era irretocavelmente anêmica, com cara de Barbie e cabelo lisinho que nem quiabo, e de repente estava eu lá, sendo minoria num país (multiétnico?).
Então nós temos dois grandes problemas: o primeiro a estrutura, o segundo a cor.
A estrutura se refere ao Colégio Alfredo Freire (Água fria), vejamos, não tinham aula de Geografia, nem de Biologia (às vezes meu tio dava aula de biologia lá, mas muitas vezes não dava tempo, tinha que ensinar Física, Química e Matemática, ele só é formado em Física e Matemática) e Português só sabiam falar, a professora de Português não dava aula. Passar de ano não era problema. O problema era aprender alguma coisa. Se com aula, nós, de colégio particular, sentimos algum problema, em determinadas matérias, imagine quem não pode nem se quer sentir o cheiro? Ah mas o Liceu e o Ginásio Pernambucano tem aula sim e aprovam muito. O GP e o Liceu são únicos, o resto é resto, literalmente.
O problema da cor resulta do fato de, no caso deste colégio, quem freqüenta é o pessoal de Água Fria, Chão de Estrelas, Beberibe, e alguns altos da vida (Pascoal, Bonifácio), enfim a periferia do Recife. E esta periferia é forma por: momento de suspense. Pronto agora vai:.basicamente negros.
Solução encontrada pelo governo: julgar o continente pelo conteúdo negligenciando os dois.
Perai, os playboy freqüentam a universidade pública, a universidade pública é para todos e está havendo um injustiça social, já sei: 50% de cotas para quem é da rede pública. Solucionamos o problema, vamos tirar uma foto.
Vejam só, o colégio degradado e acabado, Professores mal pagos e sem estimulo, e estudantes que estavam no terceiro ano a grande maioria não ia prestar vestibular (nem pra Nassau). E o governo vem dizer que a solução do problema são as cotas?
O buraco é mais embaixo...
Jogar essa galera na universidade sem fazer uma reforma educacional no ensino de base, que anda acabado (melhor, nem anda) é simplesmente negligenciar os reais problemas da educação pública e jogar uma solução que lhe convém na alegação de igualdade promovendo a verdadeira injustiça social. Por que não melhorar o ensino de base? Por que não? Por que não?
Tem de haver a entrada de todos na universidade pública sim! Independente de classe, gênero ou cor, mas na situação que encontramos o ensino público, abrir as portas da universidade sem dar o mínimo apoio educacional a quem entra é querer transformar o ensino em números aparentes, sem se preocupar como estes alunos vão concluir o curso. Tudo bem, temos números que onde as universidades adotaram as cotas os alunos estão indo bem. Tudo bem. Mas o grande problema não é este. Não é simplesmente garantir acesso ao ensino, ou fazer que todos se formem e sejam bacharéis. O problema educacional reflete no nível de vida e de emprego... Formar pessoas não garante melhoria por si só.
Tenho uma visão cética quanto ao futuro por toda esta conjuntura apresentada: o ensino de base totalmente acabado e o ensino superior que já ta mal das pernas, sem nenhuma perspectiva de melhora e servindo de base para um suposto plano de igualdade, mas que é nada mais nada menos, que uma solução ínfima para todo o cenário que possuímos.
Marcello Borba é estudante da Faculdade de Direito do Recife (UFPE) e membro do Movimento Faculdade Interativa.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Conheça o projeto de lei das cotas sociais nas universidades federais
Conheça o PL 73/1999 de autoria da deputada federal Nice Lobão (DEM-MA) que reserva pelo menos 50% das vagas nas instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas.
Clique no ícone abaixo e veja o texto completo do PL 73/1999.
Clique no ícone abaixo e veja o texto completo do PL 73/1999.
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
Câmara aprova cota de 50% para estudantes de escola pública em universidades federais
A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira 20/11, um projeto de lei que reserva pelo menos 50% das vagas nas instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação para estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas.
A regra também vale para cursos técnicos profissionalizantes de nível médio. Neste caso, o estudante deve ter cursado o ensino fundamental em escola pública. O projeto ainda será analisado pelo Senado.
As vagas reservadas pelo sistema devem ser preenchidas por candidatos "autodeclarados pretos, pardos e indígenas", em número no mínimo igual à proporção destas populações no Estado onde fica a instituição de ensino. Para tanto, serão considerados os dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um acordo entre os parlamentares também incluiu um critério social no sistema de cotas. Assim, 25% das vagas reservadas serão destinadas para aqueles que, além de terem estudado em escolas públicas, sejam de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa (cerca de R$ 622,50), independente de raça ou etnia.
Num exemplo hipotético: uma universidade federal que tenha 100 vagas teria de reservar 50 para alunos de escola pública. Se no Estado houver, por exemplo, 50% de negros e 10% de indígenas, 25 vagas - das 50 do sistema de cotas - terão de ser, prioritariamente, preenchidas por negros, e 5, por indígenas, no mínimo. Além disso, novamente dentro das 50 vagas, 25 teriam de ser ocupadas por alunos oriundos de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa.
"Havia outros projetos que também reservavam 50% das vagas apenas pelo critério racial, mas este é um projeto efetivamente social", destacou o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), ao defender a aprovação da matéria, depois do acordo.
No entanto, ele fez uma ressalva, dizendo que o projeto ideal levaria em conta apenas o critério social. "A questão da renda também resolveria o problema ligado à raça", ressaltou.
Polêmica
Se as vagas do sistema de cotas não forem preenchidas de acordo com os critérios estabelecidos, elas serão disponibilizadas para outros estudantes egressos de escolas públicas. O Poder Executivo será responsável pela fiscalização do sistema nas instituições de ensino, que terão um prazo máximo de quatro anos para cumprir integralmente a determinação.
Fim do vestibular para os cotistas?
O projeto estabelece também que o sistema de seleção dos alunos oriundos de escolas públicas deverá ser feito com base em uma avaliação seriada. O texto aprovado fala que a base será o "Coeficiente de Rendimento, obtido através de média aritmética das notas ou menções obtidas no período". Para as instituições privadas de ensino superior, a adoção deste sistema para seleção dos alunos é facultativa.
No entanto, uma emenda aprovada durante a votação invalida o que o projeto previa. Isso porque a reserva de vagas ocorreria em cada "concurso seletivo" para ingresso nos cursos de graduação. Ou seja, no vestibular. O Ministério da Educação ainda não se manifestou sobre o projeto.
Fonte: site UOL Notícias em 20/11/2008.
A regra também vale para cursos técnicos profissionalizantes de nível médio. Neste caso, o estudante deve ter cursado o ensino fundamental em escola pública. O projeto ainda será analisado pelo Senado.
As vagas reservadas pelo sistema devem ser preenchidas por candidatos "autodeclarados pretos, pardos e indígenas", em número no mínimo igual à proporção destas populações no Estado onde fica a instituição de ensino. Para tanto, serão considerados os dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Um acordo entre os parlamentares também incluiu um critério social no sistema de cotas. Assim, 25% das vagas reservadas serão destinadas para aqueles que, além de terem estudado em escolas públicas, sejam de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa (cerca de R$ 622,50), independente de raça ou etnia.
Num exemplo hipotético: uma universidade federal que tenha 100 vagas teria de reservar 50 para alunos de escola pública. Se no Estado houver, por exemplo, 50% de negros e 10% de indígenas, 25 vagas - das 50 do sistema de cotas - terão de ser, prioritariamente, preenchidas por negros, e 5, por indígenas, no mínimo. Além disso, novamente dentro das 50 vagas, 25 teriam de ser ocupadas por alunos oriundos de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa.
"Havia outros projetos que também reservavam 50% das vagas apenas pelo critério racial, mas este é um projeto efetivamente social", destacou o deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP), ao defender a aprovação da matéria, depois do acordo.
No entanto, ele fez uma ressalva, dizendo que o projeto ideal levaria em conta apenas o critério social. "A questão da renda também resolveria o problema ligado à raça", ressaltou.
Polêmica
Se as vagas do sistema de cotas não forem preenchidas de acordo com os critérios estabelecidos, elas serão disponibilizadas para outros estudantes egressos de escolas públicas. O Poder Executivo será responsável pela fiscalização do sistema nas instituições de ensino, que terão um prazo máximo de quatro anos para cumprir integralmente a determinação.
Fim do vestibular para os cotistas?
O projeto estabelece também que o sistema de seleção dos alunos oriundos de escolas públicas deverá ser feito com base em uma avaliação seriada. O texto aprovado fala que a base será o "Coeficiente de Rendimento, obtido através de média aritmética das notas ou menções obtidas no período". Para as instituições privadas de ensino superior, a adoção deste sistema para seleção dos alunos é facultativa.
No entanto, uma emenda aprovada durante a votação invalida o que o projeto previa. Isso porque a reserva de vagas ocorreria em cada "concurso seletivo" para ingresso nos cursos de graduação. Ou seja, no vestibular. O Ministério da Educação ainda não se manifestou sobre o projeto.
Fonte: site UOL Notícias em 20/11/2008.
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
A universidade contra a pobreza: qual o papel do curso de direito?
"É impossível erradicar a pobreza em um país sem o apoio direto de sua inteligência, que, normalmente se situa, sobretudo, dentro da universidade. Mas a universidade brasileira tem sido um dos instrumentos de exclusão social, ao se manter alienada do esforço direto de eliminação da pobreza no país. Seus cursos são voltados para atender aos próprios desejos intelectuais dos seus professores e aos desejos de ascensão social dos alunos, orientados para o mercado de trabalho da parte incluída da população brasileira, ignorando os pobres.
Com raras exceções, os cursos de Nutrição se dedicam às pesquisas de caráter e interesse puramente acadêmico, ou ensinar aos seus alunos como emagrecer gordos ricos, no lugar de como engordar pobres magros; os de Arquitetura, a fazer casas de luxo para poucos, no lugar de habitações confortáveis para todos; os da Odontologia, a corrigir defeitos na formação dentária dos que têm dentes, no lugar de evitar que os pobres percam os seus; os de Economia, sobretudo, a textos sobre como aumentar a riqueza, no lugar de buscar meios de mobilização dos recursos nacionais para eliminar os problemas da pobreza.
A luta contra a pobreza exige um apoio à universidade e ao mesmo tempo uma reorientação de grande parte do esforço desta. Para tanto, o governo deve vincular as transferências de recursos públicos às universidades brasileiras ao envolvimento de seus professores, alunos e servidores nos programas de erradicação da pobreza:
a) Na formação e reciclagem dos professores do ensino primário e secundário, a um custo de R$ 27 bilhões ou 2,9% do PIB ou 9% da arrecadação que já foi considerado no programa de educação básica para crianças;
b) No cumprimento de um compromisso da erradicação do analfabetismo de adultos, no prazo de quatro anos, em todo o território nacional, graças à mobilização dos alunos, professores, servidores, com financiamento adicional que será considerado mais adiante, para fins de custos, no programa de alfabetização de adultos, ao custo de R$ 800 milhões ou 0,3% da arrecadação;
c) Reorganização de alguns de seus cursos de maneira a participarem diretamente do entendimento e formulação das técnicas necessárias para erradicar a pobreza, a saber:
- Na Economia, é preciso orientar o estudo do crescimento e da riqueza para o estudo da redução da pobreza, o respeito ecológico, a criação de emprego, a valorização dos aspectos sociais, como educação e saúde;
- Na Saúde, é preciso orientar os alunos nos setores de saúde pública, para programas como Saúde em Casa ou Saúde da Família;
- Na Arquitetura, devem-se concentrar esforços nas técnicas de construções populares, confortáveis e construídas pela própria população interessada;
- Na Nutrição, o estudo deve ser mais para descobrir como eliminar a desnutrição dos pobres do que como diminuir a obesidade dos ricos;
- Os cursos de Ciências devem dar mais importância às licenciaturas;
- As áreas da Pedagogia devem adquirir uma especial nobreza".
(BUARQUE, Cristóvam. A Segunda Abolição. 1. Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999. 87p).
Com raras exceções, os cursos de Nutrição se dedicam às pesquisas de caráter e interesse puramente acadêmico, ou ensinar aos seus alunos como emagrecer gordos ricos, no lugar de como engordar pobres magros; os de Arquitetura, a fazer casas de luxo para poucos, no lugar de habitações confortáveis para todos; os da Odontologia, a corrigir defeitos na formação dentária dos que têm dentes, no lugar de evitar que os pobres percam os seus; os de Economia, sobretudo, a textos sobre como aumentar a riqueza, no lugar de buscar meios de mobilização dos recursos nacionais para eliminar os problemas da pobreza.
A luta contra a pobreza exige um apoio à universidade e ao mesmo tempo uma reorientação de grande parte do esforço desta. Para tanto, o governo deve vincular as transferências de recursos públicos às universidades brasileiras ao envolvimento de seus professores, alunos e servidores nos programas de erradicação da pobreza:
a) Na formação e reciclagem dos professores do ensino primário e secundário, a um custo de R$ 27 bilhões ou 2,9% do PIB ou 9% da arrecadação que já foi considerado no programa de educação básica para crianças;
b) No cumprimento de um compromisso da erradicação do analfabetismo de adultos, no prazo de quatro anos, em todo o território nacional, graças à mobilização dos alunos, professores, servidores, com financiamento adicional que será considerado mais adiante, para fins de custos, no programa de alfabetização de adultos, ao custo de R$ 800 milhões ou 0,3% da arrecadação;
c) Reorganização de alguns de seus cursos de maneira a participarem diretamente do entendimento e formulação das técnicas necessárias para erradicar a pobreza, a saber:
- Na Economia, é preciso orientar o estudo do crescimento e da riqueza para o estudo da redução da pobreza, o respeito ecológico, a criação de emprego, a valorização dos aspectos sociais, como educação e saúde;
- Na Saúde, é preciso orientar os alunos nos setores de saúde pública, para programas como Saúde em Casa ou Saúde da Família;
- Na Arquitetura, devem-se concentrar esforços nas técnicas de construções populares, confortáveis e construídas pela própria população interessada;
- Na Nutrição, o estudo deve ser mais para descobrir como eliminar a desnutrição dos pobres do que como diminuir a obesidade dos ricos;
- Os cursos de Ciências devem dar mais importância às licenciaturas;
- As áreas da Pedagogia devem adquirir uma especial nobreza".
(BUARQUE, Cristóvam. A Segunda Abolição. 1. Ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999. 87p).
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