quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Outro ponto de vista

Evandro Menezes de Carvalho

O texto do professor José Luiz Delgado publicado no JC no último dia 16/09 traz à tona um debate antigo sobre o modelo ideal de professor para os cursos jurídicos no Brasil. Lembro-me quando era apenas um estudante da Faculdade de Direito do Recife (FDR) e, com os meus colegas, lutávamos contra todas as adversidades para obter a melhor formação possível. O professor Delgado era coordenador do curso e sabia as dificuldades de pôr um professor em sala de aula. Era o mínimo que pedíamos. Logo depois a FDR parecia dar um passo decisivo para a reversão deste cenário desalentador. O professor José Souto Maior Borges havia sido eleito diretor. Ele logo emplacou uma reforma curricular que situara a FDR na vanguarda do ensino jurídico. Mas nossa esperança não durou muito. A gestão do professor Souto Maior Borges foi curta.

O fato é que o professor defrontou-se com um obstáculo intransponível: a ausência de profissionais comprometidos com a FDR, com o ensino e com a pesquisa em direito. Ele não poderia, sozinho, alavancar um projeto grandioso para a FDR.

Ao ler o artigo do professor Delgado percebo que o então coordenador parece não ter compreendido a lição que eu, ainda estudante, aprendi com aqueles fatos: sem professor não há curso de direito. O problema central é este. Acredito que nisto concordamos. Divergimos no que se entende por "professor". Para Delgado o professor deve ser advogado que "freqüenta os corredores e salas de audiência todos os dias", citando Joaquim Correia de Carvalho Jr. O compromisso deste professor com a educação jurídica resume-se à transmissão de um saber instrumental apenas na sala de aula. Não haveria tempo para outras atividades relativas à educação. Esta opinião presume que o ambiente do fórum é passível de ser traduzido para a sala de aula. Presume, também, que só os advogados é que são "realmente versados no saber eminentemente prático que o direito é", o que também não é verdade. Tal opinião reinstala a velha dicotomia entre o professor-prático e o professor-teórico. Este último é deslegitimado como professor por não estar nos corredores e salas de audiência. Desconsidera-se que a docência é, em si, uma prática. O total desses professores teóricos é reduzido se comparado ao universo dos professores de direito que existem nos mais de mil cursos jurídicos no País. E mesmo assim não há sinais de melhora na qualidade do ensino jurídico.

O que precisamos para garantir a qualidade da educação superior em direito é de profissionais do ensino, isto é, de professores efetivamente comprometidos com o projeto pedagógico da faculdade, com a aprendizagem e a aplicação de novas metodologias de ensino e de avaliação, com o planejamento da disciplina que ministra e com a produção de material didático, com a sua formação continuada, com o uso de novas tecnologias, com a pesquisa inovadora, com a gestão do curso, etc. Isto exige tempo e dedicação. É deste profissional que o ensino jurídico mais necessita. Mas a percepção do professor Delgado os impele "para fora" da faculdade, pois os deslegitima a dizer o direito. Hoje, como coordenador de curso, posso afirmar que não há curso de excelência possível sem eles. As instituições que querem disputar um lugar entre as melhores não podem prescindir destes profissionais. São eles que ampliam as conexões internacionais da instituição, que trabalham o direito em uma perspectiva interdisciplinar, apontam tendências, inovam na gestão dos cursos, etc. A evolução do conhecimento jurídico não está nas mãos só dos advogados, portanto.

É preciso uma reforma profunda no nosso pensamento e na nossa cultura jurídica. O debate ajuda a iluminar o caminho. E é por isto que finalizo registrando minha admiração ao espírito polemizador do professor Delgado. Sem ele, eu não teria "perdido" a madrugada do meu domingo escrevendo estas linhas. Que a FDR feche o livro da história por uns momentos e se ocupe mais de escrever seu futuro!

Evandro Menezes de Carvalho é ex-membro do Movimento Faculdade Interativa e coordenador da FGV Direito no Rio de Janeiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Texto postado por sugestão de John Heinz.